“O macho adulto branco sempre no comando” (verso de O Estrangeiro, de Caetano) pode dar lugar à mulher jovem negra sempre comandada. O cenário da campanha eleitoral americana mudou completamente com a desistência de Joe Biden (81 anos) e a ascensão de Kamala Harris (59).
Antes, Donald Trump (78) era o favorito, sobretudo após o desastroso desempenho de Biden no debate e o atentado ao republicano. Mas esse cenário não existe mais, a corrida eleitoral zerou.
Os Estados Unidos vivem um momento histórico, nunca visto. Portanto, não sabemos ainda como esse processo pode terminar, porque é inédito tanto para democratas quanto para republicanos. Mas uma coisa é certa: nada será como antes.
Apesar das incertezas da conjuntura, eu me arrisco a dizer que Kamala Harris tem maiores chances de vencer a eleição, embora hoje apareça numericamente atrás de Trump na maioria das pesquisas.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que eles estão tecnicamente empatados em todas as pesquisas divulgadas até agora. Em algumas, ela aparece na frente. E a candidata democrata não foi ainda oficializada como substituta do presidente Biden. Detalhe: o atentado não fez Trump crescer, fez Biden cair. E nem se fala mais nisso.
Segundo: Trump representa um país que não existe mais, semanticamente. O tom, as atitudes, a discriminação, a virulência, o passado, o radicalismo conservador, a religiosidade por conveniência são peças de um discurso démodé que agrada apenas os iguais, mas não atrai os diferentes.
Terceiro: a diversidade é a cara dos Estados Unidos de hoje. Eu vejo isso nas ruas, no cotidiano, em todos os lugares. Qualquer um minimamente atento é capaz de enxergar isso também. E quem representa essa diversidade? Kamala Harris, californiana, filha de mãe indiana e pai jamaicano.
Quarto: democratas e republicanos só vencem eleições se conquistar o voto dos independentes, daqueles que estão no centro, que a cada eleição pende para um lado ou para o outro. É essa fatia do eleitorado que decide. E quem tem mais chances de dialogar com esse povo hoje? Kamala Harris, que possui uma carreira vitoriosa como procuradora-geral da Califórnia, senadora e vice-presidente.
Ao contrário de Trump, ela representa o novo, não apenas cronologicamente, mas porque nunca governou (apesar de ser vice-presidente de Biden) e também porque incorpora inevitavelmente o conceito de esperança. Esse sentimento é poderosíssimo em qualquer eleição, em qualquer lugar do mundo. Sobretudo quando o presente não é um dos melhores.
Trump é pesado, muito pesado. Harris é leve, muito leve. Ela é capaz de levar os eleitores jovens às urnas, basta fazer o discurso certo. No cenário anterior, de grande rejeição a Trump e a Biden, a abstenção provavelmente seria gigante. Hoje, a história é outra.
Um parêntese para um fato surpreendente: Kamala arrecadou R$ 1,1 bilhão em uma semana de campanha, após desistência de Biden. Seja em Coxixola ou nos EUA, o dinheiro faz estrago, sim.
Quinto: estamos falando de um país politicamente e economicamente estável. Ou seja, os detalhes de cada discurso, de cada projeto, de cada promessa apresentados pelos candidatos têm o poder de decidir o jogo. A melhor embalagem disso tudo fará diferença.
Tudo mudou depois da pandemia, e o país que Trump governou naquela época não existe mais. Ah, fundamental lembrar que se não fosse o negacionismo de Trump e a irresponsável gestão do seu governo na pandemia, ele teria sido reeleito presidente. Trump se tornou o 4º presidente dos EUA a não se reeleger nos últimos 100 anos.
Por último: nunca uma mulher presidiu os Estados Unidos. Nunca. Detalhe: poucos anos atrás, Hillary Clinton ganhou de Trump no voto popular. Não foi a vitoriosa ao final porque perdeu no colégio eleitoral.
O país está dividido, é verdade. Para desempatar o jogo e vencê-lo, apenas um detalhe pode fazer uma grande diferença, pode ser decisivo. Os detalhes somente Kamala Harris tem. Se fizer o discurso certo, se nenhum fato surreal acontecer, ela será eleita presidente dos EUA, será a mulher mais poderosa do mundo. Sim, ela pode.
(Allysson Teotonio)
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